Uma prenda que recebi hoje de alguém que gosto muito!
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!
"Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?´
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
4 comentários:
Adoro este poema. É uma Ode à autonomia, ao pensamento e à acção esclarecidas!
É obrigatório nas minhas aulas.
É obrigatório para todo aquele que é inconformista, que não se resigna ante as adversidades - como nós,no actual momento-, e que LUTA. Luta em prol da justiça, da autenticidade, da veracidade, da credibilidade.
Uma escolha excelente.
Parabéns.
Nota: por vezes um poema encerra mais sabedoria que um intrincado sistema filosófico.
Sei que não vou por aí. Sei que sou coerente. Que lutarei até às ultimas consequência e defenderei com unhas e dentes a minha identidade. Lutarei contra a cegueira, contra os autistas, os visionários que nos impõem os seus ideais políticos, esquecidos do espaço que ocupam!
Ainda bem que partilhas o mesmo sentimento! Também gosto muito. É sem dúvida um hino àquilo que nos distingue desses animais…
Obrigada por visitares a minha humilde lavra.
E afinal, ainda somos uns quantos, os inconformados...
A vida, para ser vivida, tem que ser agitada, não é?
Mesmo que o tal caminho sinuoso não chegue a lado nenhum, mesmo que não haja vitória, pelo menos há um querer mais que se prolonga e nos leva a buscar incessantemente... Que nos leva a dizer não! E assim levaremos já uma grande bagagem.
Crescemos, moldamo-nos e tornamo-nos maiores no nosso querer e na nossa certeza!
Também gosto muito de ti! ;)
Obrigada, Luciana, por apareceres em mais um dos meus 'netquartitos'. já acabaste de ler o livro? Vamos ver o filme.Bom fim de semana.bj
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